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A República e as Ofensas ao Chefe de Estado


Antes

Antes de 1910 os chefes do partido republicano usavam os termos mais violentos e ofensivos para falarem do Rei:

“incarnação demoníaca”

“o rei de Portugal não é effectivamente um homem de bem”

“O sr. D. Carlos é um espirito balofo e desnorteado com certas ideias fixas que não variam”

“na dispersão do seu modo de ser moral ha pontos determinados onde se acoita o seu feitio aventureiro … onde se agarra o tresmalhado rebanho das suas rachiticas ideias”

“o seu cerebro é adiposo de mais para se commover”

(António José de Almeida, Situação Clara. Carta ao Cidadão Manuel d´Arriaga. 1907).
Em Novembro de 1907 os deputados republicanos Afonso Costa e Alexandre Braga foram expulsos do parlamento por ofensas ao Chefe do Estado, depois de terem chamado ladrão ao rei D. Carlos:

“Numa palavra: acusei, em nome da nação defraudada um criminoso; nada tenho com a circunstancia acidental de elle ser rei, porque ninguem evidentemente poderá julgar que elle procedeu daquelle modo como monarcha, até para não se ultrajar os soberanos que ainda existem à frente da Europa”.

Afonso Costa.

“No caso, trata-se de actos criminosos, praticados por um delinquente comum”.
Alexandre Braga.

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Afonso Costa e Alexandre Braga são aclamados nas ruas de Lisboa, depois de expulsos do parlamento por insultos ao rei D. Carlos. Desenho de “O Mundo”, de 22 de Novembro de 1906.

Depois

Ainda a república não tinha três meses de vida e já estavam publicadas as leis que proibiam qualquer ofensa e qualquer agressão ao regime ou aos seus mais altos representantes. A república estava a dar os primeiros passos, mas era já um crime proferir ofensas contra ela. Ainda não havia presidente da república e já era crime ofendê-lo. Também era crime ofender o presidente do governo provisório, equiparado ao presidente da república nestas questões de ofensas:

“Penalidades a aplicar nos crimes de attentado e offensas contra o presidente do Governo Provisorio ou da Republica e contra a forma de governo e integridade da Republica Portuguesa - Lei de 28 de Dezembro de 1910″.

of_t.jpgO imediato beneficiário desta lei era o presidente do governo provisório, Teófilo Braga, que pôde assim gozar um breve período de protecção contra os muitos ataques pessoais de que foi alvo durante a sua vida literária e política. Desde as suas “primícias literárias”, Teófilo tivera o condão de atrair duríssimas críticas e violentos ataques, que tanto se dirigiram à obra como ao homem, tanto ao político como ao historiador da literatura, ao sociólogo e ao apóstolo do positivismo em Portugal. Altas figuras das letras portuguesas, como Carolina Michaelis e Braamcamp Freire, encontraram graves erros na sua investigação histórica e literária. Outras, como Camilo Castelo Branco, Ricardo Jorge e Delfim Guimarães, apontaram detestáveis defeitos na sua personalidade. A legião de inimigos que soube acumular ao longo de cinquenta anos de actividade, proporcionou-lhe uma colecção de insultos escritos em letra de imprensa, que dificilmente encontrará paralelo na história da literatura portuguesa. Acusado de plagiador, de falsificador, de manipulador de documentos, não terá sido o único da sua geração que recebeu semelhantes acusações, mas foi decerto um dos que atraíram mais consistentes e continuadas denúncias. Em sua vida assistiu à publicação de duas obras exclusivamente destinadas a acusá-lo de plágio, uma da autoria do médico Ricardo Jorge (”Contra um Plágio do Professor Teófilo Braga”), outra do escritor brasileiro Sílvio Roméro (”Uma Esperteza. Os Cantos e Contos populares do Brazil e o sr. Theophilo Braga. Protesto”). Depois de morto vieram à luz inúmeros erros que povoam a sua obra, construída com grande falta de escrúpulo científico e muita ambição de reconhecimento público.

Para alívio do muito criticado professor do Curso Superior de Letras, a lei aprovada pelo governo provisório veio protegê-lo, por uns meses, de agressões verbais ou escritas, como estas:

“A gente sente calafrios, quando considera este abismo de imbecilidade humana e se lembra que tambem assim podia ser”.
Antero de Quental, Duas Palavras sobre o Sr. Theophilo Braga.

“Os livros do Sr. Teófilo são uma balbúrdia, retraços de ciência apanhados a dente, mal mascados, um cérebro atrapalhado como armazém de adeleiro, golfos do bolo não esmoído, coisas apocalípticas, muito desatadas, em prosa deslavada, derreada, enxarciada de galicismos, caótica, apontoado enxacoco de retalhinhos apontoados à toa numa canastra de apontamentos baralhados e atirados ao prelo. (…) A cabeça toa-lhe a vazio, em competência com a da sua admiradora. Todo ele é uma bexiga de gases maus”.
Camilo Castelo Branco, A Senhora Rattazzi.

Em 1910 já não se contavam entre os vivos nem o romancista de S. Miguel de Seide nem o poeta das “Odes Modernas”, que por esse motivo escaparam aos rigores da lei, ao contrário de um aldeão de Benavente, contra quem foi aberto processo pelo delegado do ministério público, “pelo motivo hilariante de haver comparado à tristesa de um cavallo a misantropia do venerando presidente do Governo Provisório, paralelo afrontoso que precisou, da parte do seu advogado, para perder as proporções de um crime, da invocação de todos os cavallos gloriosos da Historia, desde os de Alexandre e de Caligula até aos do Cid e de Napoleão”.
(Carlos Malheiro Dias, Zona de Tufões).

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Carlos Bobone