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República contra o descanso dominical


Em finais do século XIX os políticos europeus tiveram de se ocupar do tema do descanso semanal, que desde a instauração dos regimes liberais andava um tanto esquecido. Durante séculos a igreja impusera o respeito do descanso dominical, e em muitos países ainda era essa a regra, mas as excepções multiplicavam-se e a legislação, quase sempre, era omissa quanto a qualquer obrigação dos patrões.

 As associações de empregados de comércio, as associações católicas, os médicos, os economistas, insistiam na necessidade de se decretar pelo menos um dia de descanso obrigatório para todos os trabalhadores. Citavam-se reputadas sumidades da medicina para se provar que o ser humano precisava de descansar depois de seis dias de trabalho. Em 1889 reuniu-se em Paris o Congresso do Descanso Hebdomadário, concluindo que “o descanso do domingo, bem empregado pode, só por si, produzir lisongeiros resultados para o desenvolvimento normal da vida physica, intellectual e moral, para a vida da familia, para a paz social e para a prosperidade da patria”.

Em Portugal as primeiras tentativas para legislar sobre o descanso dominical datam de 1904, e não foi fácil chegar a acordo sobre esta matéria. Houve propostas de lei para se decretar o domingo como dia de descanso, abrindo no entanto excepções para todos os serviços cujo fecho prejudicasse o público. Discutiu-se se entre estes deviam estar incluídos os jornais e as tabernas.

 Do lado republicano manifestou-se uma forte corrente que se opunha à determinação de um dia fixo para o descanso semanal. Teófilo Braga era o inspirador dessa corrente. Segundo ele a a regra do descanso universal ao domingo seria uma cedência às pretensões da teologia cristã. Deveria haver descanso semanal, mas em dia indeterminado,  de modo que uns descansassem enquanto outros trabalhavam. E para dar força às suas razões, Teófilo descrevia a tristeza de um país onde a actividade parasse ao domingo:

“O descanço dominical é uma concepção puramente theologica, e seria monstruoso que mais uma concepção d´esta ordem viesse invadir a nossa vida civil. O descanço dominical é uma phrase viciada, cheia de mentira e de absurdo. Parar durante vinte e quatro horas em cada sete dias, toda a actividade do pensamento e do trabalho humanos, é uma concepção puramente fossil.

O descanço dominical, isto é, a morte de toda a actividade intellectual e fabril de um paiz, é o tedio ou a ruina. É o suicidio social para a gente fina que se diverte. Um domingo de Londres é, para os habitantes de Londres, o peor e o mais negro e humido dos seus nevoeiros. Na sociedade moderna não ha o direito de inutilisar completamente um dia de actividade fecunda, um dia gloriosamente creador. O domingo é, mesmo entre nós, o dia mais triste da semana, e até se inventou a phrase “matar o domingo”, como expressão do tedio de uma sociedade paralysada. Mata-se então o domingo, como? Com pic-nics, romarias, e sobretudo, com muito vinho (…) No descanço semanal não acontece isto, e o operario, o trabalhador folgam em plena actividade, comtemplando a vida social na sua admiravel gestação, convivendo com a intelligencia e o trabalho na mais edificativa phase da sua expansão”.

Zuzarte de Mendonça, O Descanço Dominical, O Dr. Theophilo Braga e a Associação dos Jornalistas. Lisboa, 1907.

Carlos Bobone

Imagem: Calceteiros em obras municipais de Joshua Benoliel 1907 daqui.