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História do Partido Republicano Português - Parte I


 Os primeiros passos: Da fundação ao Centenário de Camões (1876/80)

O Partido Republicano Português (PRP) foi fundado em 1876 por um grupo de amigos descontentes com o regime liberal português, e entusiasmado com os recentes triunfos republicanos em Espanha (República instaurada em 1873, mas que cairia nesse mesmo ano de 76) e França (regresso da República em 1870 – III República).
Em comum a estes fundadores do PRP, a inquietação intelectual, a influência e herança dos setembristas que não se integraram na regeneração e, sobretudo, o desejo de dotar Portugal de instituições republicanas, isto é, mais do que alterar o regime, libertá-lo do pequeno grupo que gravitava em redor dos dois partidos que controlavam o poder e o Estado, de forma a permitir a todos os cidadãos iguais direitos de participação cívica. No fundo, o que a maioria deste grupo pretendia era “republicanizar” a monarquia, algo com que muitos monárquicos estavam de acordo.
Claro que estes primeiros republicanos adoptaram também como seus alguns dos temas caros à esquerda monárquica liberal (como o anticlericalismo), e outros ciclicamente agitados por gentes oriundas de todos os espectros políticos (como o iberismo).
A união ibérica (ou dos povos da ibéria) chegava a ser defendido por alguns com o mesmo ardor com que depois combatiam o centralismo de Lisboa. Os republicanos dos primeiros tempos defendiam o regresso às tradições municipalistas, que começaram a perder protagonismo com o advento do Estado Absoluto (séc. XVIII), e foram definitivamente esquecidas com a chegada do regime liberal, de clara vocação centralizadora.

E qual a situação politica portuguesa aquando da fundação do PRP?
Nessa altura (1876), a monarquia liberal navegava por fim em velocidade de cruzeiro. Em 1851, o marechal Saldanha liderou um pronunciamento que terminaria com os conflitos e indefinições entre os liberais, e que se arrastavam desde o fim da Guerra Civil. Os setembristas foram então definitivamente afastados, o exército voltou para os quartéis, e a politica tornou a fazer-se nos ministérios, parlamento, e jornais, e já não tanto na rua.
Apesar de algumas tentativas de regresso a um passado recente (ex. revolta da Janeirinha de 1868), as décadas de 50 e 60 do séc. XIX foram de consolidação da prática politica liberal.
A nova estabilidade permitiu potenciar as qualidades de grandes vultos políticos, como Rodrigo da Fonseca, e o emergir de novos talentos, como Fontes Pereira de Melo, e estimulou a iniciativa privada, que começava timidamente a autonomizar-se da protecção do Estado.
A monarquia liberal era por então um regime que estava a par dos mais progressistas da Europa: fora percursor na abolição da escravatura e da pena de morte, e dispunha de uma legislação protectora e respeitadora dos direitos dos cidadãos (destaque para a o Código Civil do visconde de Seabra, publicado na mesma altura – 1866 – da carta de lei que aboliu a pena de morte).
Portugal era um país onde se gozava de amplas liberdades, e onde se podia chegar ao sucesso pelo mérito (apesar da profusão de novos títulos, estes eram sobretudo conferidos para premiar os homens que se distinguiam no regime e na sociedade, muitos vindos da classe média, e até das classes mais baixas da população).

No referente ao poder executivo, Fontes Pereira de Melo (Partido Regenerador), o politico mais consistente do seu tempo, ocupava desde 1871 a presidência do Ministério, e aplicava com energia o seu programa de fomento.
Finalmente, o pacto da Granja (fusão de históricos e reformistas em 1876, de onde nasceu o Partido Progressista), criara as sonhadas condições para a alternância no poder entre dois grandes partidos, que se assumiam como defensores do regime. 
O reino vivia então tempos de estabilidade e progresso material como há muito não conhecia. Tal legitimou que Portugal voltasse a pensar na reconstrução de um império colonial, e numa altura em que toda a Europa começava a ter os olhos postos em África.
A partir da segunda metade da década de 1870, os portugueses entusiasmaram-se com a epopeia da autêntica redescoberta portuguesa do continente africano, liderada pela Sociedade de Geografia e pelo ministro Andrade Corvo, e protagonizada por aventureiros e exploradores como Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, ou Roberto Ivens.

Porém, estes sucessos não conseguiam camuflar por completo as duas principais debilidades do regime: o liberalismo saído da guerra civil de 1832/34 solidificou-se por entre revoluções e pronunciamentos alternados de duas facções antagónicas: os cartistas, defensores da Carta de 1826 e de um modelo conservador, centrado na figura do rei, e os vintistas, logo setembristas (desde 1836), que pugnavam pela reposição da Constituição de 1822, de inspiração radical e base parlamentar, e que sancionava uma verdadeira república com rei.
Contas feitas, entre 1834 e 1851 o regime liberal conseguiu afastar os dois extremos políticos que o ameaçavam: os tradicionalistas, apoiantes do rei D. Miguel e vencidos na guerra civil, e os radicais, defensores da Constituição “democrática” de 1822, e definitivamente vencidos em 1851.
O afastamento de conservadores e progressistas fez com que a base de apoio do regime liberal se alicerçasse num imenso “centrão”. Por seu lado, a prática politica que se desenvolveu graças às particularidades da Carta Constitucional de 1826, levou a que o rei deixasse de ser um árbitro, ou moderador, para se tornar protagonista do jogo politico, com papel decisivo na formação e destituição dos governos.
Tal facto acabou por tornar a figura do rei alvo de todo o tipo de criticas, usadas também pelos partidos do regime como forma de o pressionar politicamente.
Estas particularidades, junto com circunstâncias conjunturais, serão habilmente exploradas pelos republicanos durante a sua incerta mas audaciosa caminhada rumo ao 5 de Outubro.

Mas regressemos à década de 1870. A criação de um agrupamento republicano em 1876 enquadra-se pois, e naturalmente, nas formas permitidas de contestação ao regime. No início da década, já as Conferências do Casino haviam defendido algumas das causas comuns a todos os descontentes da época, e abordado de forma mais ou menos explícita os temas que a estes eram caros: anticlericalismo, iberismo, republicanismo, e socialismo.
Aproveitando a embalagem, nomes como José Fontana e Antero de Quental, fundaram em 1875 o Partido Socialista português. Esta organização nunca conseguirá impor-se com a mesma eficácia dos republicanos, consumindo-se antes em lutas sem fim entre as suas facções socialista e anarquista.
Em 1876, foi a vez do já referido grupo progressista e de simpatias maçónicas, onde pontificavam nomes como Latino Coelho, Oliveira Marreca, e Elias Garcia, fundar o Partido Republicano Português.
Nos anos seguintes, os republicanos conseguiram abrir alguns centros nos grandes núcleos urbanos (Lisboa, Porto e Coimbra). Em 1878, o PRP apresentou-se pela primeira vez às eleições para as Cortes, logrando eleger o seu primeiro deputado, que foi Rodrigues de Freitas, que concorreu pelo círculo do Porto.
Malgrado este sucesso, o PRP permanecia um pequeno grupo de cavalheiros burgueses e respeitadores das instituições. Ninguém os via com hostis ao regime, mesmo porque a causa republicana era apenas apoiada por meia dúzia de excêntricos, e nem sequer era levada muito a sério. Na altura, a mudança de regime era tida como algo tão improvável e desnecessário quanto vestir um sobretudo no deserto.
O próprio PRP contribuía para dar razão aos que o tinham por inofensivo. O partido navegava numa indefinição programática, oscilando entre o federalismo utópico (iberismo, defendido entre outros por Teófilo Braga) e o patriotismo romântico (onde pontificava Manuel de Arriaga). 

Será o Centenário de Camões (1880) a dar a primeira oportunidade de protagonismo ao PRP, que então revelou virtudes antes escondidas. Pela primeira vez, os republicanos dariam mostras da habilidade demagógica que os viriam a tornar célebres e eficazes, tomando astutamente como sua uma bandeira cara a quase todos os portugueses: o Patriotismo.

Lourenço Pereira Coutinho