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Norton de Matos: perfil de um candidato a presidente da república


Norton de Matos

José Mendes Ribeiro Norton de Matos. Estranhamente, um minhoto.Tendo frequentado a Escola do Exército, partiu para a India em 1895. Sem jamais pôr em causa a Monarquia e, certamente, compenetradíssimo na sua carreira millitar.

Nasceu em Ponte de Lima em 1867. Já com 81 anos, em 1948, anunciou ao País a sua candidatura à Presidência da República. Por que sinuosos caminhos andou a sua vida até então? De tranquilo e acomodado monárquico fardado - registo, embora, as suas simpatias por João Franco -  a aspirante à Chefia de Estado, em que se notabilizou Norton de Matos? Qual o seu pensamento político, como ganhou ele conteúdo, consubstanciado em quê? Dúvidas não restarão sobre as suas actividades conspirativas contra a República, em 1911. Nem a sua pronta adesão ao Partido Democrático, logo no ano seguinte, assim foram detectados esses seus laivos de fidelidade monárquica. Norton de Matos redundou, por isso, em mais um episódio de adesivismo, tão característico da época. Com o acrescido requinte da sua filiação, por então, na Maçonaria. Com todos os apetrechos exigiveis para, de braço dado, ir descendo com Afonso Costa as escorregadias calçadas da intriga. Aliás, escreveu o jornalista Rocha Martins, terá Norton de Matos afirmado, na sua aproximação à facção radical republicana, «um homem da minha idade, ao atirar-se a uma asneira, é de cabeça»… E esta amizade e a confiança do gande atazanador do clericalismo valeram-lhe então o cargo de Governador-geral de Angola.

Mas a República ia de mal a pior. Ao ponto do Presidente Manuel de Arriaga convidar - e muito insistir no convite - o general Pimenta de Castro, em 1914, para encabeçar um governo forte, capaz de enfrentar a instabilidade, a desordem, a demagogia. E a violência “democrática”, bem entendido. 

Não tardou fosse apodado, Pimenta de Castro, de “ditador”. Entraram os afonsistas a congregar esforços para o derrubar. A 14 de Maio, uma revolta violentissima em Lisboa, apontou ao velho general os trilhos do exílio, pelo elevado preço de (só na capital) 200 mortos e mais de 1000 feridos. 

O então major Norton de Matos era um dos membros da Junta (que também incluia civis) dirigente desse movimento armado de natureza retintamente “democrática”. E o seu desempenho como governador de Angola suscitava, entretanto, as maiores reservas, assaz comprometedoras, face à confusão de interesses num projectado negócio de adjudicação de camiões de fabrico italiano. Daí tenha sido demitido desse alto cargo, em 1915 - para, uma vez regressado à Metrópole, sobraçar as pastas de Ministro das Colónias e, depois, da Guerra!Ia-se notando bem a sua ascenção no aparelho de Estado! Outrossim, as suas tomadas de posição. Desde logo, quando, implacável, ordenou o deportamento, sem prévio julgamento, de Pimenta de Castro e dos seus ministros. Expressamente reivindicou, do Parlamento, autorização para demitir oficiais do Exército, sem processo ou culpa formada, contando manifestassem a sua discordãncia face à politica do governo “democrático” de cuja pasta da Guerra era titular. E, também, quanto ao grande conflito que infernizava a Europa e o mundo, em geral, e de cuja participação nossa foi um entusiasta fervoroso. Sabemos que os afonsistas levaram avante este seu propósito. Norton de Matos seria um dos responsáveis máximos pela mobilização do Corpo Expedicionário Português. Dos muitos milhares de compatriotas inexplicavelmente enviados para a morte nas trincheiras de França e da Flandres. A palavra a António Granjo e à sua autoridade de combatente: «Eu assisti à mobilização e fui também mobilizado; era uma desorganização organizada; era uma desordem ordenada, quanto a mim porque apenas havia algumas ordens a dar. Mas não era apenas isso. Os franceses, quando se referiam ao nosso exército, empregavam esta expressão: Pas d’administration militaire. De facto o nosso corpo expedicionário, à sombra da organização actual, teria perecido de fome e de frio, não teria guardado durante os largos meses que guardou as trincheiras, se não fosse a organização militar inglesa».

Já promovido a tenente-coronel, mas sempre ministro, “justificava-se” que Norton de Matos ficasse assistindo à Guerra aqui do seu gabinete. Somente visitou a frente de combate em Maio de 1917. Internamente, sucediam-se as arruaças, espevitado o povo pela falta de víveres, por toda a sorte de privações. Com a República Nova de Sidónio, Norton de Matos, já coronel, apanhou boleia de um navio inglês surteado no Tejo e refugiou-se em Gibraltar. Só após o assassinato do Presidente-Rei tornaria a solo pátrio. Onde o esperavam - no recuperado império do Partido Democrático - as galonas de general e o alto-comissariado de Angola.

Uma vez mais, a sua permanência na grande colónia portuguesa se pautaria por suspeições e imputações de condutas menos claras. Em 1924, o deputado Cunha Leal surgia no Parlamento carregado de papeis. Pediu a palavra… Era uma colecção de «erros, desbarates de dinheiros» (vd. J. Veríssiomo Serrão, História de Portugal, XI, pág. 291) apontada a Norton de Matos. E engalanada com acusações de cobardia, intolerância, mesquinhez, exibicionismo, clientelismo… Com arrebiques de chacota, como o lance em que mandou matar o seu cavalo, após zanga entre ambos e o consequente trambolhão, animal abaixo… Os seus próprios coreligionários não o pouparam a críticas, e o seuconsulado no Ultramar ficaria depreciativamente rotulado de “Nortonia”.

Ainda nesse ano, invocando motivos de saúde, renunciou ao cargo em Angola. Talvez porque o seu médico lhe recomendasse os bons ares britânicos, foi de imediato designado embaixador da República em Londres.

O advento do Estado Novo significou para Nortonde Matos o exílio. Sem embargo, decidiu candidatar-se, conforme já referi, à Presidência, em 1948. Seria uma candidatura oposicionista, á qual aderiram alguns vultos de nome como Santos Silva e Olívio França e os comunistas. Uma candidatura também embaraçosa, por isso. E subordinada ao emérito propósito de promover a «Unidade Nacional».

Para tanto, e cautelarmente, Norton de Matos omitiu nos seus manifestos e documentação apresentada à Imprensa, a sua anterior filiação no Partido Democrático. Também terá evitado a menção à sua ligação à Maçonaria, de que era grão-mestre. Não, agora era a maré do parlamentarismo e da liberdade. Sobre a qual escrevia: «Este clamor nunca mais cessou em torno de mim; a ânsia pela liberdade, pela reconquista dos direitos fundamentais do homem, pelo sagrado respeito da pessoa humana, pelo desaparecimento de todas as violências, de todos os vexames e violações que nunca mais deixou de vibrar aos meus ouvidos».

É desculpável que, aos 81 anos, não se recordasse já das arbitrariedades cometidas umas décadas antes com os seus adversários políticos, deportados ou demitidos, sem culpa formada, por nenhuma razão senão essa - a de não lerem pela sua cartilha.Em plena campanha eleitoral, consta, perguntou-lhe um monárquico se a «Câmara Constituinte» seria livre de deliberar o restabelecimento da Instituição Real. O distinto candidato redarguiu, manifestando a sua convicção de que haveria deputados monárquicos eleitos, embora ele, republicano, aspirasse a uma «Constituição Republicana». E, logo após, talvez porque lhe ocorresse o projecto espanhol restauracionista de então, frisou, pressurosamente que a sua “aspiração” teria de se «transformar em acção mais drástica»…

Norton de Matos desistiria da sua candidatura. Carmona, reconheça-se, merecia mesmo ganhar.

João  Afonso Machado